Grande Hotel, 1969 |
Quando desenhei entrar no edifício “Grande Hotel” da Beira, ao meu redor vinham alertas em alta voz: “Não, não podes”. Não, não, é muito perigoso. Nenhum repórter consegue. Esteve lá a CNN e BBC, mas com alguma proteção.”
Afinal, quem não iria querer reportar as imagens actuais de um dos maiores e mais luxuosos hotéis de África na década de 60.
A curiosidade e sede de desvendar o misterioso cenário interno me atraíu. Sabe-se lá porque o polícia que iria com minha equipa não apareceu para escoltar-nos. Mas não poderia ser motivo para a idéia retrair.
<< Moçambique, Província de Sofala, Cidade da Beira, Bairro da Ponta Gêa, Janeiro de 2011, 15h00>>
Grande Hotel, 2011 |
O mostruoso edifício lembra ruínas assombradas que se vêm em ficção. Ao entrar, a degradação fez-me transportar em mente para épocas da Guerra, o conflito civil pós independência. Afinal, já foi abrigo para refugiados. Mas mesmo anos depois do calar das armas, o ambiente parou no tempo. Fome, doenças, baixo saneamento, falta de energia e água …água potável.
Todos usam água da grande piscina do “Hotel”. É água da chuva que fica estagnada ali a céu aberto. Com ela partilha o lixo o mesmo espaço. Sem exagero, a água é esverdeada.
São mais de 400 famílias, cerca de 1500 pessoas, isoladas de tudo e de todos. Os rostos cansados e desesperançados justificam o senso de conformismo cauterizado. Já não vêm perigo algum em conviver com lixo, água de esgoto e deitar-se diante de pilares e tetos que a qualquer instante podem desabar, ruir.
Alguns compartimentos tem os pedaços de tecto caído ao chão. Alguns remendam as rachas com material precário.
Um prédio sem paredes de proteção. A vida, o dia a dia é bem transparente para os que passam da praça em frente ao edifício. O cheiro é insuportável. É de lixo não removido há mais de 20 anos.
Crianças caem dos pisos, para eles são tombos da infância. É como que cair de bicicleta. Já são educadas a contentar-se com o mundo do Grande Hotel. O que estiver fora disso é estrangeiro. O presente e o futuro são ali.
Diz o Dr Schwalbach, medico e ex-Vereador Municipal, que o dano psicológico é um dos problemas mais graves nestas pessoas. Uma série de traumas e complexos de inferioridade os tirou a auto-estima.
Entrei em um “apartamento”, alias, um canto adaptado para morar. O homem diz-me: “estou a pagar por isto” eu não me contive e perguntei-o novamente. Era isso, um espaço de 4 metros quadrados, sem casa de banho (banheiro), cozinha. Ele teve que buscar panos para fazer divisórias para acomodar a família.
O Município da Beira busca parceiros para reassentar as famílias e mudar a imagem de degradação do Hotel. Mas garante que a dificuldade está no alto financiamento requerido.
Enquanto se espera de alguma boa vontade ou um projecto verdadeiramente rentável no espaço, continua a sobrevivência das pessoas. Pessoas estas que, segundo o sociólogo, e professor da Universidade Eduardo Mondlane, Eugénio Braz, serão um custo para o Estado.
Diz ele que “ o Estado terá que investir em mais segurança na Cidade, por aumentar o índice de criminalidade; aumentará investimento no tratamento de doenças, por conta de baixo saneamento e pobreza e perde mão de obra Juvenil, que está a entregar-se ao vício de álcool e drogas.”
Quem calcula esta perda?