SELMA

sábado, 12 de novembro de 2011

REPORTANDO ... "O GRANDE HOTEL"

Grande Hotel, 1969

Quando desenhei entrar no edifício “Grande Hotel” da Beira, ao meu redor vinham alertas em alta voz: “Não, não podes”. Não, não, é muito perigoso. Nenhum repórter consegue. Esteve lá a CNN e BBC, mas com alguma proteção.”

Afinal, quem não iria querer reportar as imagens actuais de um dos maiores e mais luxuosos hotéis de África na década de 60.



A curiosidade e sede de desvendar o misterioso cenário interno me atraíu. Sabe-se lá porque o polícia que iria com minha equipa não apareceu para escoltar-nos. Mas não poderia ser motivo para a idéia retrair.

<< Moçambique, Província de Sofala, Cidade da Beira, Bairro da Ponta Gêa, Janeiro de 2011, 15h00>>
Grande Hotel, 2011



O mostruoso edifício lembra ruínas assombradas que se vêm em ficção. Ao entrar, a degradação fez-me transportar em mente para épocas da Guerra, o conflito civil pós independência. Afinal, já foi abrigo para refugiados. Mas mesmo anos depois do calar das armas, o ambiente parou no tempo.  Fome, doenças, baixo saneamento, falta de energia e água …água potável.

Todos usam água da grande piscina do “Hotel”. É água da chuva que fica estagnada ali a céu aberto. Com ela partilha o lixo o mesmo espaço. Sem exagero, a água é esverdeada.
São mais de 400 famílias, cerca de 1500 pessoas, isoladas de tudo e de todos. Os rostos cansados e desesperançados justificam o senso de conformismo cauterizado. Já não vêm perigo algum em conviver com lixo, água de esgoto e deitar-se diante de pilares e tetos que a qualquer instante podem desabar, ruir.

Alguns compartimentos tem os pedaços de tecto caído ao chão. Alguns remendam as rachas com material precário.
Um prédio sem paredes de proteção. A vida, o dia a dia é bem transparente para os que passam da praça em frente ao edifício. O cheiro é insuportável. É de lixo não removido há mais de 20 anos.
Crianças caem dos pisos, para eles são tombos da infância. É como que cair de bicicleta. Já são educadas a contentar-se com o mundo do Grande Hotel. O que estiver fora disso é estrangeiro. O presente e o futuro são ali.

Diz o Dr Schwalbach, medico e  ex-Vereador Municipal, que o dano psicológico é um dos problemas mais graves nestas pessoas. Uma série de traumas e complexos de inferioridade os tirou a auto-estima.
Entrei em um “apartamento”, alias, um canto adaptado para morar. O homem diz-me: “estou a pagar por isto” eu não me contive e perguntei-o novamente. Era isso, um espaço de 4 metros quadrados, sem casa de banho (banheiro), cozinha. Ele teve que buscar panos para fazer divisórias para acomodar a família.

O Município da Beira busca parceiros para reassentar as famílias e mudar a imagem de degradação do Hotel. Mas garante que a dificuldade está no alto financiamento requerido.
Enquanto se espera de alguma boa vontade ou um projecto verdadeiramente rentável no espaço, continua a sobrevivência das pessoas. Pessoas estas que, segundo o  sociólogo, e professor da Universidade Eduardo Mondlane, Eugénio Braz, serão um custo para o Estado. 

Diz ele que “ o Estado terá que investir em mais segurança na Cidade, por aumentar o índice de criminalidade; aumentará investimento no tratamento de doenças, por conta de baixo saneamento e pobreza e perde mão de obra Juvenil, que está a entregar-se ao vício de álcool e drogas.”

Quem calcula esta perda?